quinta-feira, 28 de abril de 2011

Preparadas (o) para um longo estudo Feminista ?

                                                                         






Em linhas gerais, a história desse grupo anarco-feminista começa em abril de 1936, às vésperas da eclosão da guerra civil, quando três combativas anarquistas, a jornalista e poetisa Lucía Sanchez Saornil, a advogada Mercedes Comaposada e a médica Amparo Poch y Gascón se unem para criar o grupo “Mujeres Libres”, dedicado à luta pela emancipação feminina no mundo do trabalho. Lucía Sanchez Saornil, nascida em Madri, em 1895, trabalhara na Companhia Telefônica de Barcelona e durante uma série de greves de que participa, adere à CNT – Confederação Nacional do Trabalho, de orientação anarquista. A partir daí, radicaliza sua participação, escrevendo nos periódicos libertários Solidaridad Obrera e Tierra y Libertad. Em fins de 1935, anuncia seu projeto de criação de uma agremiação política dedicada à causa das mulheres. Mercedes Comaposada, filha de um ativo sapateiro anarquista, nasce em Barcelona, em 1901, e aprende desde cedo a montar películas; mais tarde, ao participar da CNT – Confederação Nacional do Trabalho, encontra o escultor Balthasar Lobo, a quem se une. Enquanto advogada, desgostosa com o comportamento dos trabalhadores num curso que oferecia em um dos sindicatos da CNT, em 1933, encontra Lucía, com quem logo passa a discutir a questão feminina no anarquismo. Amparo Poch y Gascón, nascida em Saragoça, em 1902, torna-se médica pediatra e também assina como a Dra. Salud Alegre. Assim como as outras duas, defende a liberdade sexual, a maternidade consciente e o aborto.[3] As três libertárias já traziam uma bagagem política expressiva, como militantes de esquerda, tanto quanto ideais feministas, sobre os quais escreviam nos jornais “Tierra y Libertad” e “Solidaridad Obrera”, ou nas revistas “Estudios”, “Generación Consciente” e “Umbral”. Revoltavam-se com as dificuldades e com a opressão sexual enfrentadas pelas mulheres pobres, mesmo no meio libertário, mais oxigenado, em que eram solicitadas e incentivadas a participar do espaço público. Desde o último quarto do século 19, os anarquistas haviam conseguido forte penetração social, fundando sindicatos, criando ateneus libertários, promovendo inúmeras atividades culturais por toda a Espanha. Apesar de suas críticas contundentes às instituições sociais, como a Igreja e a família, apesar dos ataques ao casamento, às desigualdades sexuais, à educação coercitiva para as crianças, na prática, a situação feminina continuava fortemente opressiva e poucas melhoras haviam sido feitas. Portanto, quando o pequeno grupo se constitui, não demora a encontrar-se com outras companheiras, que também começavam a atuar em Barcelona, na “Agrupación Cultural Feminina”, formada por anarquistas como Pilar Grangel, professora racionalista e militante da CNT e Áurea Cuadrado. Rapidamente, novos grupos locais são criados por toda a Espanha e inúmeras mulheres aderem à organização. Muitas são operárias analfabetas; outras autodidatas, como Lola Iturbe, ou formaram-se nos ateneus libertários. Espanholas, na grande maioria. A anarquista Etta Federn, por sua vez, vinha da Alemanha e também opta por unir-se ao grupo. Mudar as condições de existência das mulheres pobres da Espanha, capacitando-as para o trabalho e para a vida pública, retirando-as do confinamento doméstico e do obscurantismo religioso, proporcionando-lhes meios práticos para a participação na vida social, política e cultural foi uma preocupação constante nas propostas e realizações do Grupo. Assim, além do “Instituto Mujeres Libres” e das centenas de agrupamentos locais espalhados pelo país, elas fundam o “Casal de la Dona Traballadora”, no Paseo de Gracia, em Barcelona, espaço cultural destinado aos cursos, palestras e oficinas que realizam para cerca de 600 mulheres. No bairro de Sans, nesta cidade, criam um “Instituto nocturno”, também chamado “Mujeres Libres”. Segundo um anúncio publicado no jornal CNT, de 1937, ficamos sabendo que aí eram oferecidos cursos de Aritmética, Gramática, História da Literatura, Geografia, História, Contabilidade, Ciências Naturais, Anatomia, Idiomas, Desenho, cursos de Agricultura, Puericultura, Enfermagem, formação de secretárias, mecanografia, taquigrafia, redação e cursos em Propaganda. Além disso, poderiam estudar mecânica na escola de transporte, entre outros ofícios que não eram tradicionalmente oferecidos às mulheres, mesmo que estas já ocupassem um largo espaço no mercado de trabalho industrial. Contudo, mais do que isso, a mudança que essas militantes visavam enquanto anarco-feministas apontava para a criação de novos estilos de vida, fundados em uma ética capaz de propor novas formas de sociabilidade e de produzir subjetividades mais libertárias.[4] A questão da produção da subjetividade se colocou enfaticamente, sobretudo nesse contexto revolucionário, em que as/os anarquistas lutaram não apenas para destruir o poder político concentrado no Estado e fortalecido pela ajuda material de outros países, mas também investiram fortemente para transformar radicalmente a vida econômica, as relações sociais hierárquicas e desiguais e garantir as manifestações culturais populares. De fato, a população mobilizada, ao lado dos libertários, transformou a luta antifascista numa revolução social, como observam vários historiadores[5] - e esquecem outros -, tratando de criar organismos econômicos autogestionários e de incentivar (Boochin, 2000. ) formas solidárias de sociabilidade por toda a parte. Em se tratando da experiência do “Grupo Mujeres Libres”, as questões sociais se aliaram às lutas pela libertação feminina e, nesse sentido, elas procuraram promover novos modos de constituição de si, capazes de subverter os códigos burgueses de definição das mulheres como esposas, mães, exclusivas do lar, ou como seu avesso. Mas não de uma maneira apenas negativa, isto é, como formas de reação ao poder, já que essas lutadoras implementaram muitas iniciativas pioneiras, como a criação de cursos de capacitação das operárias, nos quais desejavam despertar a consciência feminina para as idéias libertárias, como afirmavam. Cursos de alfabetização e profissionalizantes, visando criar novas formas de inserção social para as mulheres pobres; centros de assistência médica e de educação sexual; creches; liberatórios de la prostitución, isto é, casas destinadas às que desejassem sair da prostituição e também para que as prostitutas pudessem ter tratamento médico e orientação para melhorar suas vidas, como afirmava Pura Perez[6], além de espaços, como os da revista que leva o nome do Grupo, em que puderam refletir sobre si mesmas e criar toda uma cultura feminista entre as militantes e simpatizantes do anarquismo. A revista, da qual existem apenas 13 números, era escrita, feita e subvencionada só por mulheres, pois “sabemos por experiência que os homens, por muito boa vontade que tenham, dificilmente atinam com o tom preciso.” [7] Abordava temas variados relativos ao universo feminino, como maternidade consciente, prostituição, puericultura e infância, moda, ginástica, e discutía a constituição de uma nova moral sexual. Revelando uma preocupação estética, para além de ética, a revista divulgava as realizações do grupo, propagava as idéias libertárias, chamava as trabalhadoras para a reflexão e militância anarco-feminista. Vale notar que as possibilidades criadas de outras formas de produção da subjetividade não se efetivaram num marco individualista, como se poderia supor, e aqui recorro às conceitualizações de Foucault, pois visavam a uma intensificação das relações consigo mesma, mas não no sentido corrente de uma valorização da vida privada em detrimento da esfera pública, nem no de uma acentuação do valor do indivíduo sobreposto em relação ao grupo.[8] Longe de estimular o apego à esfera privada como refúgio em relação ao mundo competitivo dos negócios e da política, como defendia a ideologia da domesticidade contra a qual, aliás, elas se batiam, essa “cultura de si” do anarco-feminismo, se assim podemos chamar, passava pelo estabelecimento de novas relações consigo, mas também com o outro, relações solidárias, de amizade, de companheirismo político, anti-hierárquicas, num meio bastante sofrido como o operário. Visava, portanto, fortalecer as redes da militância política tanto entre elas mesmas, como com os companheiros ligados a outras entidades, sobretudo nesse momento de intensa movimentação revolucionária em que um novo mundo parecia totalmente possível. Essa questão não passou desapercebida para algumas historiadoras, como a norte-americana Temma Kaplan, que registra a preocupação dessas ativistas libertárias com as dimensões psico-sociais, em geral ignoradas pelos homens, evidenciadas em investimentos para ensinar as mulheres a agir politicamente, a assumir posições de liderança e a desenvolver novas imagens de si como povo potencialmente autônomo (...).”( Kaplan, 1997, 418) Segundo ela, esses temas escapavam aos militantes do sexo masculino, que, como outros revolucionários, acreditavam firmemente que o sucesso da Revolução em termos econômicos e sociais levaria necessariamente ao fim da opressão sexual e da desigualdade de gênero. O que significa que muitas mulheres continuavam a enfrentar imensas dificuldades tanto diante da tirania dos pais, maridos e irmãos, quanto pela proliferação da prole, ou pelas situações de abandono, já que eram pobres e sem dote. Contudo, há que se relativizar essas afirmações, pois mais do que em qualquer outro país, a cultura anarquista espanhola contou com a adesão de médicos e psiquiatras libertários, que lutaram pela transformação da moral sexual conservadora e preconceituosa, tanto ideologicamente, através de livros, folhetos e artigos publicados na imprensa anarquista, quanto por iniciativas práticas. A revista “Estudios”, por exemplo, possuía uma seção intitulada “Consultório Psico-sexual”, em que o Dr. Felix Martí Ibáñez, especialista em Psicologia Sexual e em Sexologia, respondia às cartas dos trabalhadores, procurando apresentar soluções para seus problemas sexuais e sentimentais, ou prestar esclarecimentos sobre distúrbios físicos e psicológicos.( Rago, in Soares, 2001:145-161) O Dr. Isaac Puente, assassinado em 1936, pelos franquistas, publicava nas revistas “Generación Consciente”, “La Revista Blanca”, “Umbral” e nos jornais “Solidaridad Obrera”, “CNT”, “Tierra y Libertad”, entre outros divulgando suas concepções filosóficas e sociais libertárias. O próprio nome escolhido pelo Grupo para se identificar e ser identificado é surpreendente e revelador: Mujeres Libres demarca com ousadia um espaço próprio, já que assumido no contexto de uma Espanha católica, machista e ultraconservadora, em que a liberdade feminina era associada à degeneração moral pelo discurso religioso e pelo científico. Enquanto a Igreja abençoava as mulheres puras e santificadas, associadas à imagem de Santa Maria, os médicos burgueses, influenciados pelas teorias lombrosianas da degenerescência, afirmavam cientificamente que elas haviam nascido para a maternidade e para o lar. No rol das transgressoras, alinhavam-se prostitutas, lésbicas, feministas, anarquistas e socialistas. Esse pensamento predominava no mundo ocidental naquele período, e vale lembrar que até os anos 1970, não apenas no Brasil, o termo mulher pública era sinônimo de prostituta. Nos inícios do século 20, não era raro que costureiras, floristas, chapeleiras, trabalhadoras das fábricas de tecido e artistas fossem percebidas como prostitutas, não apenas na Espanha. Portanto, as palavras de Lucía, refletindo a respeito do nome dado ao grupo são esclarecedoras:

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